Notícias Contábeis

Negócios que desafiam o tempo: os segredos por trás de empresas longevas

09/04/2025
Facebook
Twitter
LinkedIn

Abrir um negócio que atravesse gerações ainda é um sonho distante para a maioria dos empreendedores brasileiros. De acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 60% das empresas no país encerram suas atividades antes de completar cinco anos – o índice de mortalidade chega a 78% em uma década de operação.

Entre os desafios para a consolidação na fase inicial, os conhecimentos em gestão e finanças se destacam como algumas das principais lacunas no panorama nacional de pequenas e médias empresas (PMEs).

Outro estudo, realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), aponta que 40% dos empresários não possuem planejamento definido para prazos superiores a seis meses.

Em um contexto marcado pela combinação entre volatilidade econômica e transformações tecnológicas, a sobrevivência está cada vez mais ligada à capacidade de enfrentar obstáculos de curto prazo, sem perder de vista a preparação para o futuro. “A organização financeira e a geração de receitas é o primeiro passo para a consolidação de qualquer empresa”, afirma Antônio André Neto, coordenador acadêmico do MBA em Gestão Estratégica e Economia de Negócios da Fundação Getulio Vargas (FGV). “A partir desse ponto, é fundamental investir na formação de processos e equipes que incorporem valores e objetivos estratégicos de fundadores ao longo do amadurecimento do negócio”, pontua.

Diante desse complexo equilíbrio, empreendedores de diferentes perfis buscam suas próprias fórmulas de resiliência para identificar oportunidades em períodos críticos e construir negócios com potencial de legado duradouro para fundadores, colaboradores e clientes.

Das dificuldades financeiras enfrentadas no primeiro ano aos dilemas de sucessão em companhias centenárias, conheça as histórias e os aprendizados daquelas que superam essas barreiras, dia após dia:

1º ano: da ideia ao produto

Desenvolver o produto certo, para o público certo, no tempo certo. O chamado product market fit (ajuste do produto) costuma ser um dos principais desafios para empresas que estão em fase inicial – sobretudo startups orientadas por novos nichos de consumo e modelos de negócio.

Para facilitar esse processo, as empreendedoras chinesas Estrella Ouyang, 32 anos, e Marta Cheng, 35, apostam em uma estratégia que combina análise de mercado, atração de talentos qualificados e captação de recursos para financiar a operação.

Fundadoras da AuraPura, plataforma de terapias holísticas e saúde mental voltada a brasileiros, elas se mudaram para São Paulo, no final do ano passado, para mapear as demandas locais e compreender melhor as necessidades dos parceiros.

“Além de apresentar uma forte demanda por esse tipo de serviço, o Brasil é um dos mercados mais abertos a novas tecnologias. Resolvemos estabelecer a nossa sede no país para nos aproximar dessa comunidade”, diz Ouyang. “Os seis primeiros meses da operação foram dedicados à estruturação de uma base operacional sólida e ao desenvolvimento de uma solução que fizesse sentido para a realidade do nosso público-alvo. Fizemos centenas de entrevistas e testes com usuários e especialistas antes de chegar à versão inicial.”

Com passagens por empresas como Alibaba e Microsoft, Ouyang recorreu aos contatos levantados na indústria de tecnologia para atrair os talentos necessários para o desenvolvimento da startup, como programadores, designers e executivos comerciais. A equipe brasileira é formada por cinco profissionais e atua de maneira híbrida, em colaboração com um grupo de pesquisa e desenvolvimento baseado na China. Para ela, recrutar times qualificados é uma das principais dificuldades para empresas que ainda não são conhecidas no mercado: “É preciso se manter aberto a novos formatos de trabalho e formar boas redes de relacionamento para encontrar as pessoas certas”.

Cerca de seis meses após o início da operação, o aplicativo da AuraPura foi lançado, em maio. O foco atual está na expansão da base de usuários, a partir de parcerias com veículos especializados, influenciadores e ações de engajamento em redes sociais. Para atravessar o vale da morte que existe entre o lançamento de produtos e a geração de receita, as sócias arrecadaram, recentemente, R$ 3 milhões com investidores-anjo. “Assim como qualquer negócio, precisamos gerar caixa para financiar o crescimento da operação. A captação de recursos externos foi essencial para atingir esse objetivo, sem perder o foco na essência do negócio”, diz a empreendedora.

1 ANO
Desafios principais
→ Desenvolvimento de produtos e serviços
→ Contratação de equipe
→ Levantamento de bases de clientes
→ Acesso a capital e geração de receita

6º ano: ponto de equilíbrio

Fundada em 2018, a Dharma, consultoria especializada em análises de risco geopolítico, consolidou uma operação que reúne 12 colaboradores e uma carteira de empresas atendidas composta por lideranças de grandes setores. Os primeiros anos da operação, no entanto, foram marcados por um longo ciclo de tentativas e erros nos processos de prospecção. “Assim como acontece com muitos empreendedores, essa fase inicial foi um teste de fogo do nosso propósito e da nossa tese de negócios. Apesar de ter experiência na área, muitos clientes ainda não tinham a convicção do potencial da nossa entrega”, afirma o sócio-fundador e CEO, Creomar de Souza, 48 anos.

A partir de uma trajetória consolidada no mundo acadêmico – incluindo a coordenação do curso de relações internacionais da Universidade Católica de Brasília (UCB) –, ele usou a experiência de mercado para desenvolver uma abordagem baseada na combinação entre conhecimento técnico e credibilidade. A estratégia financeira e operacional ficou concentrada sob o comando do sócio, Matheus Albuquerque, 28 anos. Os primeiros contratos foram fechados no final de 2020 e abriram espaço para a atração de profissionais especializados em áreas como metodologias de análise e gestão administrativa.

Com a delegação de tarefas chegaram novos contratos, e as áreas de atuação foram ampliadas. No ano passado, a empresa, sediada na capital federal, lançou a Dharma Academy, unidade de educação corporativa que oferece cursos online sobre temas como princípios democráticos, formação de analistas políticos e conflitos no Oriente Médio.

“Nosso principal desafio foi definir o perfil de profissional ideal para nossa cultura e modelo de negócio. Apenas depois de resolver essa equação começamos a pensar nos próximos passos da empresa de maneira mais consciente e estratégica”, diz ele, sem revelar dados de faturamento.

Entre as maiores dificuldades de organizações em fase de consolidação, Souza destaca o delicado equilíbrio entre rotina profissional, vida pessoal e saúde mental: “Existem muitas histórias românticas sobre negócios de sucesso. Mas é preciso encontrar formas saudáveis de internalizar o aumento de responsabilidade que vem com o crescimento da empresa. No meu caso, eu busquei ajuda na terapia para lidar com as questões que surgem nessa jornada e focar a minha energia no que é mais importante para mim e para a própria Dharma”.

6 ANOS
Desafios principais
→Consolidação de fontes de receita
→Ampliação de equipes e delegação de tarefas
→Exploração de novos modelos de negócio
→Equilíbrio entre vida pessoal e profissional

10º ano: longevidade ampliada

Ao longo da última década, a Vivmais passou por diversas estruturas e modelos de negócio. A capacidade de adaptação tem se revelado um fator crucial para consolidar a presença no mercado 60+ – que, apesar de seu potencial e relevância, ainda permanece fora do radar da maioria dos investidores nacionais. A partir de uma rede de mais de 150 profissionais especializados, a plataforma oferece acesso a serviços como aulas de ioga, personal trainer, fisioterapia e enfermagem, na Grande São Paulo.

Criado por Silvia Scagliarini, 60 anos, o projeto começou a ser elaborado em 2015, após uma temporada na Suíça: “Fui acompanhar uma tia que morava no país e descobri modelos de suporte a idosos que não existiam por aqui. Usei as referências como benchmark para começar a desenvolver esse mercado no Brasil”.

Com recursos próprios, a estruturação da operação levou aproximadamente dois anos, incluindo a participação em programas de fomento ao empreendedorismo, além de uma imersão em Israel, onde foram realizados os primeiros testes e ajustes do modelo de negócio.

A estratégia de monetização para o mercado brasileiro foi inspirada nas dinâmicas de colaboração entre o governo e as empresas do país. Teve como base os editais públicos, com a aprovação para assumir a operação do projeto Juntando Pontas, voltado à promoção de atividades culturais e cognitivas para idosos. Com o encerramento da iniciativa em 2021, a fase seguinte teve como foco a finalização da plataforma online da empresa.

A virada para o digital demandou a reestruturação completa da Vivmais, incluindo a ampliação da base de prestadores de serviços, a criação de infraestrutura tecnológica e a presença de conselheiros especializados em áreas técnicas e estratégicas, como desenvolvimento de produtos e estratégia jurídica.

Para diversificar as fontes de receita, conta a empreendedora, o planejamento comercial foi dividido entre o fortalecimento da marca junto aos familiares de usuários finais e parcerias com organizações que atuam no setor, como Aché Laboratórios Farmacêuticos e Unimed. Nesse novo modelo, a empresa passou a contabilizar uma média de mais de 500 atendimentos por ano. Já no B2C, deve fechar o ano com faturamento de R$ 120 mil.

Na visão de Scagliarini, a exploração contínua de produtos, serviços e modelos de atuação tem se revelado um fator crucial para garantir a longevidade do negócio enquanto o setor atinge todo o seu potencial. “O mercado em que atuamos passou a ter mais visibilidade apenas recentemente. Como não recebemos investimentos externos, precisamos desenvolver estratégias complementares para manter nossa capacidade de resiliência ao longo de todos esses anos de operação”, diz.

10 ANOS
Desafios principais
→Alinhamento a novas tecnologias e modelos de negócio
→Exploração de novas frentes comerciais
→Profissionalização de gestão e governança
→Manutenção de relevância no mercado

20º ano: receita de crescimento

A Spinassi Chocolates, que começou em 2004 como uma operação caseira de ovos de Páscoa, se transformou em uma marca que atende mais de 200 varejistas brasileiros. Esse crescimento é resultado de um planejamento de expansão executado gradualmente pelo casal Priscila e Rogério Spinassi, ambos de 42 anos.

A estratégia teve como ponto de partida a inauguração da primeira loja da marca, em Campos do Jordão (SP), cerca de um ano após o início do negócio. “Recebemos uma grande encomenda de 8 mil ovos e reinvestimos todo o lucro da operação na abertura do espaço. Estávamos em uma situação financeira delicada, com margens apertadas, mas decidimos priorizar a visão de longo prazo da empresa”, conta Priscila.

A implementação do ponto de venda tornou-se um marco importante para atrair o público inicial – turistas que lotam a cidade nas temporadas de inverno. Para incentivar visitas de diferentes perfis, os empreendedores apostaram na diversificação das linhas de produto. O portfólio atual conta com mais de 360 opções de chocolates finos, incluindo trufas, geleias, coleções temáticas e alternativas diet. O objetivo é equilibrar os campeões de vendas com novidades que despertam a curiosidade dos consumidores.

Com a inauguração da fábrica própria, em 2017, a empresa ampliou sua capacidade de produção para até 1 tonelada diária. Além das vendas para clientes finais, a planta abriu caminho para contratos com varejistas de oito estados. O projeto de expansão também contemplou a abertura de mais quatro lojas em Campos do Jordão.

Para Priscila, os gargalos de gestão e capital humano se tornaram um dos principais desafios à medida que o negócio cresceu: “A consolidação da operação nos permitiu olhar além da sobrevivência diária e traçar planos de longo prazo. Por outro lado, nossas decisões passaram a envolver uma complexidade maior de finanças, burocracia e gestão de talentos”.

Nas duas últimas décadas, a Spinassi Chocolates criou diversas frentes de atuação e registrou um faturamento médio mensal de R$ 300 mil. Os planos futuros incluem a atuação em novos segmentos, como franquias e parques temáticos. As ações de longo prazo também contemplam a formação de sucessores: a filha mais velha, Lohanna, 19 anos, começou a trabalhar em uma das lojas no ano passado. “Ela já nasceu nesse meio do chocolate. A ideia é que ela vá amadurecendo aos poucos na empresa para entender melhor os fundamentos do negócio”, diz a empresária.

20 ANOS
Desafios principais
→Modernização de gestão e processos operacionais
→Planejamento de próximos ciclos de crescimento
→Expansão para novos segmentos
→Formação da primeira geração de sucessores

60º ano: tradição e adaptação

Localizado em uma das mais famosas esquinas da rua Joaquim Floriano, no Itaim Bibi, bairro nobre da Zona Oeste de São Paulo, o Joakin’s faz parte da primeira geração de hamburguerias da cidade – segmento que atualmente reúne mais de 1,3 mil estabelecimentos locais, de acordo com a plataforma Econodata. Fundada em 1965 pelo comerciante Emygdio Colangelo, hoje com 91 anos, a lanchonete começou como uma pequena operação caseira, com dez banquetas e três funcionários, na fachada da residência da família.

Hoje, instalada em uma área de 1,7 mil metros quadrados, a casa reúne cerca de 50 colaboradores e possui capacidade para atender até 230 pessoas. O faturamento anual está na casa dos R$ 20 milhões. A popularidade em um dos setores mais disputados do mercado de alimentação é sustentada por uma estratégia que combina tradição e adaptação a novos hábitos de consumo e modelos de negócio.

O processo de modernização começou a ser implantado no início da década de 1990, com a incorporação do conceito de casual dining. Inspirado em um modelo bastante consagrado nos Estados Unidos (e cada vez mais frequente no Brasil), o formato é baseado em ambientes que combinam elementos de cozinha rápida com espaços e serviços mais elaborados.


O projeto foi conduzido por Silvestre Colangelo, 51 anos, filho do fundador, que hoje comanda a operação ao lado dos irmãos Leonardo, 46, e Pedro, 28. “Reformulamos o salão, a linguagem visual e a identidade da marca. A ideia era diversificar o perfil de público e proporcionar um local onde pessoas de diferentes perfis se sentissem acolhidas”, afirma Silvestre.

Entre os caminhos adotados para atrair novos consumidores e preservar bases de clientes fiéis, o empresário pontua o equilíbrio entre tradição e tendências de mercado. O posicionamento pode ser observado no cardápio da casa, no qual x-saladas clássicos convivem harmoniosamente com sanduíches de sorvete e opções que levam ingredientes como pistache e queijo brie empanado.

Em sintonia com um movimento impulsionado pelos anos de isolamento social, as frentes de atuação também passaram a incluir estruturas especializadas em delivery e parcerias com aplicativos de entrega.

Paralelamente, a experiência no salão vem sendo calibrada a partir da convivência entre novos colaboradores e funcionários com décadas de serviços prestados ao local. “As mudanças são importantes. Estamos sempre buscando maneiras de trazer novidades e reorganizar a casa. Mas, no fim das contas, o que faz a diferença é apostar na qualidade dos produtos e nos valores que nos trouxeram até aqui”, diz o empreendedor. “Somos uma empresa familiar que acredita no que faz. As pessoas valorizam muito essa verdade da marca.”

60 ANOS
Desafios principais
→Conquista de novos públicos
→Transição de modelos de gestão
→Renovação de portfólio
→Pesquisa e incorporação de tendências

100º ano: legado sustentável

O alinhamento entre valores organizacionais e capacidade de adaptação costuma ser uma das principais características de negócios longevos. Com o centenário recém-completado, a Mercur preserva esse equilíbrio ao longo de três gerações da família Hoelzel. Especializada na fabricação de produtos de borracha para os segmentos de educação, esporte e saúde, a empresa gaúcha se consolidou como uma das principais referências de sustentabilidade e inovação do setor.

A aproximação com movimentos ESG (governança ambiental, social e corporativa) foi intensificada nas últimas duas décadas, com a incorporação de iniciativas de neutralização de carbono, parcerias com comunidades de produtores e programas de saúde mental para colaboradores.

Paralelamente às ações de impacto socioambiental, a companhia também aposta na evolução constante de sua estrutura de gestão para sustentar os níveis de competitividade. A partir de diagnósticos feitos por consultorias externas, implantou projetos que vão da integração de áreas estratégicas à criação de unidades de internacionalização – desde o início dos anos 2000, mantém um escritório em Miami (Estados Unidos).

“As gerações de fundadores que atuaram na empresa tiveram diferentes estilos e prioridades de gestão. Mas todos mantiveram o compromisso de fazer as mudanças necessárias a cada momento, sem deixar de lado a missão principal de construir uma organização orientada pelas necessidades reais das pessoas”, afirma Jorge Hoelzel Neto, 63 anos, atualmente à frente do negócio sob o cargo de facilitador de direção.

Na área de criação de produtos, a fórmula de longevidade também inclui investimentos em centros de P&D (pesquisa e desenvolvimento) e núcleos de inovação aberta. Entre os projetos mais recentes está o Eleva, neuroestimulador portátil criado em parceria com a startup pernambucana Neurobots. Segundo o executivo, além de trabalhar os produtos que já existem no portfólio, há uma análise contínua das tendências globais: “Como sabemos que não podemos fazer tudo sozinhos, buscamos parceiros que nos ajudem com novas tecnologias para nossos clientes”.


No ano passado, a Mercur registrou uma receita bruta de cerca de R$ 130 milhões. Para chegar aos próximos cem anos, a liderança atual vem traçando um plano de sucessão que reúne capacitação técnica e formação cultural da próxima geração. A estratégia tem como base a definição de papéis para herdeiros e gestores e a formação de conselhos compostos por membros da família e executivos de mercado.

“Estamos aproximando gradualmente as novas gerações para a realidade do negócio. É preciso preparar os sucessores para que eles possam fazer essa transição de maneira natural, oferecendo as condições certas para que assumam as funções que façam mais sentido para seus perfis”, finaliza Hoelzel Neto.

100 ANOS
Desafios principais
→Construção de legado de marca
→Equilíbrio entre tradição e inovação
→Convivência com novos entrantes de mercado
→Profissionalização de planos de sucessão


Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios